Você já ouviu falar em cyberbullying? Se você é adolescente, mãe ou pai de um jovem dessa faixa etária, provavelmente já escutou esse terno. Isso porque a prática do cyberbullying se tornou muito comum nos dias de hoje – ela pode afetar qualquer idade, mas os jovens costumam ser as principais vítimas.
Como profissional da saúde e mãe de uma adolescente, esse é um problema que me preocupa muito. Isso porque as consequências do cyberbullying costumam ser graves, e ainda piores do que as do bullying tradicional.
Quer saber mais sobre o assunto? Então confira a seguir a entrevista que eu fiz com o psicólogo Filipe Colombini, especialista em orientação parental, terapia infantil, desenvolvimento atípico e abuso de substâncias. Foi uma hora de bate-papo que resultou numa das entrevistas mais interessantes que já fiz na vida.
O que é o cyberbullying?
O cyberbullying é a prática do bullying que acontece relacionada à internet: geralmente em redes sociais, sites e aplicativos de mensagens. Ou seja, é quando existe uma agressão, humilhação ou perseguição sistemática, repetitiva, gerada por um agressor, e que causa sentimentos de tristeza e inadequação da vítima.
Mas diferente do bullying convencional, que normalmente acontece num determinado espaço físico (na escola ou no condomínio, por exemplo), o cyberbullying não tem fronteiras geográficas. Isso significa que a difamação da vítima pode se espalhar para outras escolas, cidades e até países. Por isso o cyberbullying é mais difícil de ser controlado, e a vítima se sente ainda mais impotente.
Qual é forma que essas agressões podem tomar? E quem são os envolvidos?
O cyberbullying pode tomar várias formas: desde agressões verbais, montagens com fotos ou vídeos que deixam a pessoa numa situação constrangedora, divulgação de imagens íntimas, e até mesmo de notícias falsas.
Normalmente existe um agressor, uma vítima e também os observadores. E é interessante notar que esses papéis muitas vezes se invertem. Ou seja, quem foi vítima no passado, pode se tornar um agressor no presente. Também se sabe que os observadores não são neutros, e sim atuantes no processo do bullying. Ora eles funcionam como audiência para a agressão, ora fazem o papel de validação ou de omissão.
Existe uma relação entre o tipo de família e as pessoas envolvidas no bullying/cyberbullying?
Sim, normalmente existe. Cada caso é um caso, mas em geral tanto o agressor quanto a vítima são pessoas com déficit de habilidades sociais, que se manifestam de formas diferentes.
O agressor normalmente é alguém que quer ser reconhecido e aceito socialmente. Ele quer a validação do grupo e acha que, agindo da forma como age, será bem quisto e respeitado. Muitos agressores não sabem criar vínculos duradouros de amizade, e recorrem à prática do bullying para terem a aceitação dos outros que estão ao seu redor.
Em relação às famílias, os agressores vêm muitas vezes de lares superprotetores, que não ensinaram esses jovens a se posicionar socialmente de outra forma. Ou então de pais negligentes, agressivos ou que valorizam demais a competitividade.
A vítima também costuma ter problemas de socialização e pode vir de famílias superprotetoras, ou nas quais um dos pais exerce papel dominador e agressivo em relação ao outro.
Como os pais podem evitar que o filho se envolva no cyberbullying?
Um dos grandes problemas que as famílias enfrentam hoje em dia é a falta de estabelecimento de regras e limites. Muitos pais não querem causar desconforto no filho, e até temem que o jovem deixe de amá-los se as regras forem colocadas. Com isso cresce o número de famílias negligentes, que podem ser o berço de um agressor ou mesmo da vítima.
Um bom caminho para evitar que seu filho exerça qualquer um dos papéis no cyberbullying é a responsividade, ou seja, é estar sensível às necessidades do seu filho, mas com o estabelecimento de direitos e deveres. Por exemplo: se o jovem quer acessar as redes sociais, deve haver um combinado do tempo de acesso, do que ele precisa fazer antes para merecer esse benefício.
É importante também que os pais acompanhem o histórico do que os filhos assistem e acessam na internet. Tudo às claras, combinado com o filho e explicando por que esses dados são importantes.
Por fim, é importante que o jovem saiba que as ações geram consequências. Aos pais cabe o papel de deixar clara, previsível, qual é a consequência para uma ação inadequada. E realmente aplicar o que foi combinado.
Quais são as consequências do cyberbullying?
Em geral a vítima do cyberbullying apresenta grande tristeza, que pode evoluir para um quadro de depressão. Também é frequente a ocorrência de outros distúrbios associados, como a anorexia, a síndrome do pânico e crises de ansiedade.
Infelizmente, para lidar com a tristeza, algumas vítimas se envolvem com álcool e outras drogas. E numa situação extrema, pode ocorrer até mesmo o suicídio.
Como os pais podem desconfiar que o filho é vítima dessa prática?
Existem os sinais mais diretos, como a tristeza e a depressão. Mas nem sempre a criança ou o jovem demonstram claramente esses sentimentos. Por isso, os pais precisam prestar atenção na rotina: o filho está se alimentando bem? Quer tomar banho? Está saindo com os amigos ou só quer ficar isolado? O isolamento é outro indício comum de que há algo errado.
Os pais também devem prestar atenção ao histórico do que esse jovem está buscando na internet. Procurar sites que falem sobre suicídio ou automutilação é um sinal vermelho. Aliás, é frequente a vítima provocar ferimentos em seu corpo, pois a dor física distrai da dor emocional. Por isso, se o filho esconde algumas partes do corpo, fique atento.
E se o cyberbullying acontecer, como lidar com ele?
Num primeiro momento é muito importante acolher a vítima e não negar que o bullying aconteceu. Muitos pais, com boa intenção, falam que o jovem deve simplesmente deixar o ocorrido para trás, mas esse não é um bom caminho.
Depois do acolhimento, é preciso conversar, entender os fatos, as ações e reações de cada um dos envolvidos. E também não querer resolver o problema no lugar do filho.
Se a origem do cyberbullying estiver ligada à escola, ela deve ser comunicada e deve intervir. É nessa hora que os pais descobrem se o colégio está preparado para lidar com o problema, pois a solução em geral passa por momentos de sigilo, de ação, e por ações coletivas de prevenção do bullying.
Além disso, tanto os envolvidos no episódio de cyberbullying como as famílias podem se beneficiar do acompanhamento com um psicólogo. Os pais também precisam de suporte para saberem orientar seus filhos.
Por fim, deixo meu agradecimento ao psicólogo Filipe Colombini, que compartilhou comigo todas essas orientações acima.
Além de Mestre em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e professor do Curso de Acompanhamento Terapêutico do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas – Instituto de Psiquiatria Hospital das Clínicas (GREA-IPq-HCFMUSP), o Filipe faz um trabalho maravilhoso de acompanhamento e atendimento extra-consultório. Ou seja, ele vai até as casas, escolas, e outros ambientes que os jovens frequentam para facilitar a orientação de crianças, adolescentes e famílias.
Filipe Colombini – atendimento na Equipe AT (clique aqui)
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